Eu vos tenho amado, diz o SENHOR; mas vós dizeis: Em que nos tens amado? (Ml.1.2)
Poucas pessoas têm a coragem de verbalizar, mas talvez não poucas pessoas vivam ressentidas contra Deus, questionando o seu amor. O povo de Deus andava assim no período de Malaquias.
Após um longo período de espera, cansaço e frustração, as dúvidas foram acolhidas no coração, que aos poucos foi endurecendo, e se entregando ao cinismo. Eventualmente, uma vida distante do Senhor se tornou a norma popular.
Malaquias surge nesse cenário, para lembrar e alertar o povo da aliança com o Senhor. A dinâmica ministerial desse profeta é um pouco diferente, pois o registro bíblico traz uma espécie de diálogo, no qual Malaquias traz a palavra de Deus, o povo responde, e o profeta apresenta a tréplica divina.
O livro de Malaquias apresenta muitos desvios religiosos e morais, mas a raiz de todos está na questão inicial levantada por Deus: o cinismo quanto ao amor do Senhor.
Deus declara o Seu amor pelo povo: “Eu vos tenho amado”, mas qual é a resposta recebida? “Em que nos tens amado?”. Diante dos alertas do profeta, as respostas do povo envolviam desconfiança e resistência: Deus nos ama? Que evidências há desse amor?
Eu e você podemos nos compadecer de vidas despedaçadas: casamentos desfeitos, pessoas que sofrem profundamente por alguma doença, outras que não superaram a perda de alguém amado, subemprego, rejeição social, dentre tantas outras situações dolorosas. Mas, enquanto sofremos com tais pessoas, deveríamos levantar a questão: o cinismo é a melhor resposta?
O cinismo é a resposta daqueles que deixaram de esperar em Deus. Esperar é cansativo e, por muitas vezes, doloroso. Em um mundo cada vez mais veloz, a realidade da espera é um tormento. Imagine o povo de Israel, esperando por mais de um século que seus problemas fossem resolvidos. Imagine o casal que espera por vários anos a concretização do sonho de ter um filho. Esperar dói, especialmente quando o tempo passa e não se tem uma data certa para a realização do desejo.
Cansado de esperar (e sofrer), o cínico se fecha. Fecha-se para ter o controle da própria vida e não viver à mercê de outra pessoa. Mas com o cinismo, duas posturas são adotadas: o desespero ou o ativismo. No desespero eu declaro: “nada vai acontecer; não tem jeito”. Essa declaração é a tentativa de mortificar minhas esperanças e desejos. Ao esperar o pior, o sofrimento pode ser controlado ou, pelo menos, minorado. No ativismo eu manifesto: “já que Deus não faz, eu farei”. A esposa, cansada de ver as falhas do marido, tentará operar com base em seu esforço a transformação daquele. O marido, cansado de esperar a transformação que somente o Senhor pode realizar em sua esposa, tentará controlá-la por meio de manipulação agressiva.
Essa é uma maneira muito comum, mas muito problemática de se viver. Um dos problemas fundamentais é o seu legalismo. Ao ceder ao desespero ou ao ativismo, eu tento operar a minha redenção na base da minha performance: “se eu me fechar o suficiente, não sofrerei”; “se eu me esforçar o suficiente, conquistarei”. O legalismo nunca salvou ninguém.
Deixar de esperar em Deus e ceder ao cinismo também é uma fuga de si: eu tento fechar os olhos para a minha vulnerabilidade. A grande agonia da espera é que ela revela a nossa limitação. Não ter o poder de mudar a minha história e não ver as coisas acontecendo no meu tempo me fazem ter a sensação de “mãos atadas”. Ao agir com cinismo, eu deixo de encarar a minha real condição de “pó”. Não é agradável considerar as limitações pessoais, mas essa humilhação é fundamental para nos rendermos ao controle de Deus.
Ceder ao cinismo, portanto, é uma tentativa de manter as rédeas da própria vida. Fechar-me para o sofrimento, lutar pela satisfação, ocultar minhas limitações. Mas Deus nos ama o bastante para não nos entregar a nós mesmos. O Seu amor vencerá nossa resistência infantil, e finalmente ficaremos aos Seus pés: prostrados e plenos.