O requisito inesperado

A nova virtude imprescindível para quem deseja fazer teologia em nossos dias é a capacidade de rir de si mesmo.

Mal escrevi e já me vejo na necessidade de explicar: Ninguém esperaria de um Louis Berkhof, de um Herman Bavinck, de um John Owen, ou de um João Calvino atributo semelhante. Possivelmente, o último interesse de qualquer aprendiz desses homens seja o senso de humor deles.

Mas eu sustento que o homem que não sabe rir de si mesmo não está apto a fazer teologia em nossos dias. E digo o porquê.

A tarefa do teólogo é solene. Ele deve ser capaz de discernir o conteúdo bíblico e articular a doutrina de modo adequado a servir a igreja. Nada de engraçado até aqui.

Mas, conquanto a tarefa do teólogo nada fala sobre o seu humor, o caráter do teólogo é importante para o serviço. A teologia produzida tem muito a ver com o tipo de pessoa que a produz.

É possível que um homem errado, aplicando o método correto, possa afirmar muitas verdades. É fato que Deus usou uma mula para falar proposições corretas. Mas essa não é a regra e nem as mulas estão interessadas em nossos seminários. A teologia escrita, ensinada e pregada brota de um coração diante de Deus, de uma personalidade humana que terá significativa parcela no material final.

…e é assim que, ao voltarmos os olhos para os aspirantes a teólogos que brotam como capim nas redes sociais, encontramos pessoas muito sérias. Não apenas sérias do tipo que consideram a solenidade da produção teológica; sérias de um tipo caricato e estranho; impassíveis do tipo chato e medíocre; fechadas do tipo que se levam a sério demais.

Pessoas assim produzirão qualquer peça teológica — desde um post no facebook até um livro publicado — com ares de encíclica papal. Tenderão a ser seguras demais de si e pouco propensas a ouvir e lidar com pensamentos diferentes. Tenderão a pensar que sabem muito e a olhar para os outros com afetada superioridade. Por causa disso, serão impacientes e agressivas, contribuindo para um sectarismo que nada tem de piedoso (embora queiram usar esse rótulo o tempo inteiro), e para uma queda substancial na capacidade de fazer boa teologia que alimente, para além do intelecto, as emoções e a vontade.

O que fazer com isso? Como lidar com pessoas que acham ser divines da Assembléia de Westminster? Com amor santo, podemos ajudá-las a enxergar o quão ridículo é o papel que têm feito. O sorriso é uma poderosa arma contra a arrogância; pode ser terapêutico zombar da estultice.

Alguns de nós precisam ser lembrados que não passam de garotinhos munidos de um teclado e uma boa conexão; sem isso, nada resta. Precisamos sorrir de gente como eu, que pensa ser o Francis Schaeffer só porque usa uma barbicha mequetrefe. Há muito para zombar: gente que agora vive fazendo propaganda de sua liberdade para tomar cerveja, se achando superior em sua cevada — quando a Brahma descobrirá o mercado desses “cervejeiros piedosos”? Há os mini-Kuypers de havaianas, que sabem meia dúzia de palavras sobre transformação de cosmovisão e cultura, mas ainda não aprenderam a amar a igreja e respeitar o seu pastor; há os puritanos de estética, que de semelhança com John Owen só possuem o nariz medonho, mas nenhum outro desejo de viver em comunhão com irmãos que pensam diferente. É possível sorrir daqueles que leram as Crônicas de Nárnia e já se consideram grandes leitores de literatura, ou ainda daqueles que lêem uma crítica sobre não possuírem o lado direito do cérebro e tomam tal afirmação como literal.

Talvez você deseje uma argumentação um pouco mais séria do ponto, e eu não criaria dificuldades para oferecer. Ao mostrar-se sério demais, na pretensão de ser muito relevante e correto, o teólogo sem autocrítica falha na compreensão mais básica de sua condição caída. Produzir teologia sem uma boa convicção teológica da Queda nos transforma em hipócritas separados da verdade sobre nós. Em outras palavras, tal tipo de produção teológica parte de um erro teológico.

Deve-se argumentar pela zombaria também. Deus sabe que eu odeio o deboche, não costumo oferecer aos outros o que não quero para mim, mas é inegável que o sorriso seja uma arma bíblica contra as pretensões arrogantes.

O salmo 2, por exemplo, demonstra como Deus zomba dos arrogantes que pretendem agir contra Ele.

4 Ri-se aquele que habita nos céus;
o Senhor zomba deles. (Sl.2.4)

Nas palavras de Tremper Longman III e Dan Allender, Deus é um zombador. Eles dizem:

Deus sorri com escárnio da tolice obstinada dos arrogantes. […] A zombaria com desprezo pode ser a arma do mal contra a glória de Deus, mas também é a Sua arma de destruição, que, eventualmente, esmagará a todos os que se opõem a Ele”. (The Cry of the soul, loc.1581)

No Salmo 37, o Senhor continua rindo dos estultos orgulhosos:

12 Os ímpios tramam contra os justos
e rosnam contra eles;
13 o Senhor, porém, ri dos ímpios,
pois sabe que o dia deles está chegando.
(Sl. 37.12–13)

Contra o ímpio, a zombaria de Deus provocará destruição. Contra os Seus filhos, a zombaria abrirá portas para a redenção. A zombaria nos fará estremecer, e provocará algo mais. Ainda nas palavras de Allender e Longman:

Estremecer é o prelúdio da graça. Se estamos horrorizados, então uma rachadura em nós se abre para ouvir algo ainda mais inconcebível — todo o desprezo que deveria ser dirigido contra o nosso pecado, Deus lançou sobre o Filho glorioso. O horror abre a porta para o deslumbramento. E o deslumbramento é o convite para adorar. (The cry of the soul, Loc.1624)

Nós precisamos aprender a sorrir de nós, antes que Deus providencie outros para fazer isso. Talvez não seja preciso dizer — mas vou dizer mesmo assim — que isso não legitima o falso testemunho, a mentira, ou qualquer outra postura que viole os mandamentos do Senhor.

Pra fazer teologia hoje em dia é preciso saber sorrir de si mesmo. Não para agir de maneira frívola, mas para cultivar a virtude da humildade e auto-suspeita, que calará o nosso coração e nos fará ouvir a voz do Altíssimo, o único Absoluto.