Há algum tempo tive de ministrar aulas em outro estado, e a viagem me fez lembrar o óbvio: não sou fã de aviões. Não houve nada demais: alguma turbulência no voo de volta, mas nada tão perturbador. As turbulências são apenas mais um elemento para compor o problema maior: estar a onze mil metros de altura, guiado por um estranho, em uma máquina suspeita.
Gente mais instruída logo levantará as estatísticas, demonstrando como o avião é um dos meios de transporte mais seguros que existem, e provavelmente estará correta. Mas por que essa informação não elimina o frio na barriga?
Voos de avião podem ser um grande instrumento santificador. Para alguns, será a retomada da vida de oração — vão orar com o vigor de um Daniel na cova dos leões –; para outros, será a lembrança das Escrituras — passarão o voo recitando o Salmo 91: “mil cairão ao teu lado, […] mas tu não serás atingido” –; mas para além dessas manifestações de um certo desespero, o voo é um instrumento santificador por abrir os nossos olhos para a realidade.
A onze mil metros de altura a agonia é mais intensa porque você não tem controle de nada. Você não controla a máquina, o piloto, os céus… nada. Essa é uma situação de completa vulnerabilidade, na qual é necessário aceitar a condição, ou sofrer por toda a viagem.
No entanto, algo magicamente acontece quando descemos do avião. Voltamos àquela segurança que nos faz “senhores de nós”. Agora nós temos o controle, certo?
Errado.
O que experimentamos no avião é uma dose concentrada da realidade: nós não temos o controle da vida. Não no sentido último. Somos pessoas completamente vulneráveis, dependentes do controle externo, e temos a mesma opção do voo: aceitamos a condição, ou sofremos por toda a viagem.
Para muitos de nós é duro aceitar a nossa vulnerabilidade e falta de controle. Desejamos ter tudo segundo o nosso planejamento, caminhando conforme o esperado e promovendo o nosso conforto. Mas, como não temos o controle, as diversas situações da vida nos mostram que a realidade é diferente de nossa imaginação e expectativas. Então amargamos a dor. Alguns sofrem em uma batalha constante por controlar: manifestam ira e agressividade em suas posturas, avançam sobre outras pessoas e coisas, comportam-se como dominadores; tudo para não encarar o fato mais simples de que estão nus.
Outros não manifestam o sofrimento em posturas ativas de busca pelo domínio, mas em posturas passivas de ressentimento e resignação: lamentam, choram, tornam-se cínicos e sem esperança, anestesiados para qualquer ânimo na caminhada. Eles também não aceitam que estão nus.
A tranquilidade no voo não vem facilmente. Deve levar tempo e trabalho até alguém ceder essa disposição controladora. Mas existe algo que poderia ajudar bastante no processo. Imagine que você entra tenso no avião. Mais uma vez terá de lidar com o cenário da angústia. Mas, de repente, surge a figura do comandante do voo. Você olha bem, e o reconhece: é um homem publicamente notável por sua competência até mesmo em casos bastante arriscados de problemas no avião. O comandante vem até você e sussurra, olhando com carinho: “eu sei que é difícil descansar no voo, mas quero que saiba que eu tenho total controle dessa máquina. Quero que saiba, também, que eu conheço você e tenho um compromisso pessoal de protegê-lo. Confie em mim”. Talvez essas palavras não tivessem um efeito mágico, mas certamente, o conjunto de reconhecer o piloto e suas habilidades, junto a essa dimensão relacional, na qual você se percebe conhecido por ele, e percebe o compromisso que ele tem de cuidar de você funcionariam bastante para o seu alento.
Um piloto humano jamais tem o controle total da máquina. Mas o comandante Divino tem. Eu e você andamos angustiados pelo desejo de controle, mas poderíamos estar desfrutando melhor da viagem. O comandante é competente, e é comprometido com a nossa redenção. Que tal aceitar a vulnerabilidade?